sábado, março 29, 2008

JOGOS DE MEMÓRIA

Chega ao Brasil Violent Cases, primeiro trabalho da dupla Neil Gaiman e Dave McKean

Na década de 1980, alguns escritores e artistas britânicos se empenharam na dura tarefa de convencer o resto do mundo de que histórias em quadrinhos eram uma forma válida, séria e até mesmo sofisticada de expressão artística.

Dois dos principais nomes desse movimento eram Neil Gaiman e Dave McKean, que mais tarde, se notabilizaram como os idealizadores da incensada série Sandman. Só que antes disso, em 1987, eles lançaram o álbum Violent Cases, que só agora, 21 anos depois, chega ao Brasil.

Apresentado em uma belíssima edição em capa dura e formato grande da HQM Editora, Violent Cases mostra, no traço virtuoso do artista plástico Dave McKean, o próprio Neil Gaiman contando para o leitor um episódio de sua infância na cidade inglesa de Portsmouth.

Após ter seu braço deslocado pelo pai - em um gesto meio desastrado, meio agressivo, mesmo - o menino Gaiman é levado para o médico osteopata. Este revela ao paciente ter sido médico de ninguém menos que Al Capone, o famoso chefe gangster da Chicago de 1930.

"O que é um gangster?", perguntou Gaiman ao pai, na volta para casa. "Não lembro o que meu pai disse. Só lembro da empolgação com que essa informação entrou na minha vida. Gangsteres usavam chapéus... e dirigiam carros grandes. Gangsteres tinham metralhadoras... que eles usavam em casos violentos. Gangsteres costumavam brigar com a polícia", escreve o autor.

Foi o bastante para capturar a imaginação do futuro escritor, que, sempre que era levado pelo pai para ver o médico, ouvia deste as histórias daquele tempo e lugar, míticos por natureza.

De posse desse fiapo de história, Gaiman e McKean tecem um belo e intrincado estudo narrativo sobre a memória, sobre como realidade e fantasia podem se misturar formando um véu, através do qual, se enxergam infinitas possibilidades.

Se em Sandman, Gaiman voltava sua atenção para a forma como o sonho é parte da vida -mesmo quando se está acordado - e como eles interferem na criação de mitos e arquétipos universais, em Violent Cases, auxiliado pela arte surreal de McKean, ele passeia pelas alamedas de sua memória infantil, remetendo aos estímulos sensoriais responsáveis por disparar lembranças: o cheiro de um biscoito, a textura de uma roupa nova sobre a pele, a percepção do seu próprio pai como um gigante.

Longe de ser sua melhor obra (posto de Sandman, disparado), Violent Cases é, ainda assim, um delicioso petisco para seus muitos admiradores brasileiros.

Violent cases
Neil Gaiman e Dave McKean
HQM Editora
R$ 39,90
www.hqmaniacs.uol.com.br

quinta-feira, março 27, 2008

ADORÁVEIS MICRO-RESENHAS

Sem redenção possível, resta só se entregar

Diz um velho conceito enraizado no imaginário do rock ‘n‘ roll que o melhor rock é apenas aquele bem imaturo, barulhento e praticado por pessoas muito jovens. Está aí o primeiro CD da Theatro de Seraphin, banda formada em seu núcleo duro por dois homens maduros, na casa dos 40 anos, para jogar essa idéia tosca por terra de uma vez por todas. Redondinho, EP não tem música sobrando, aquelas incluídas só para encher lingüiça: todas as suas seis faixas são uma beleza de arranjos climáticos, ainda que viscerais (com destaque para o ótimo guitarrista César Vieira) e letras poéticas como há tempos não se via no rock baiano - exceção feita ao Ronei Jorge. Mas que se esteja avisado: cruel, este CD não dá trégua ao ouvinte. Não há redenção possível para os personagens das letras de Artur e Marcos. Doralice, possivelmente, a música mais bonita do CD, já é um clássico do rock local. "O que vem lá do céu? / Não é Deus, não é nada / Essa tristeza me mata / Essa tristeza me pega", assume o poeta Artur em Tristeza, a voz ainda mais rasgada que as calças que costuma usar nos shows. Doído, mas bonito que só.
EP
Theatro de Seraphin
Independente
R$ 10
myspace.com/theatrodeseraphin


Para ouvir com um litrão de pinga


Diretamente de Lauro de Freitas City vem a maior revelação do rock brega brasileiro desde o mestre gaúcho Wander Wildner: a banda Movidos a Álcool, descrita pelos próprios integrantes como uma “trombada entre Reginaldo Rossi e The Clash“. Na verdade, o Clash fica devendo, pois o lado rocker do grupo parece pender mais para Raul Seixas do que para os punks ingleses. De qualquer forma, é merecedor de aplausos o climão quarto de empregada engendrado com maestria por Eduardo Cachaça (voz e guitarra), Belvis (guitarra), Willyto (baixo) e Dimmy (bateria). Como o título Mulheres Que Nos Fazem Beber Demais já entrega, o CD é uma coleção de canções dor-de-corno dedicadas às malditas que maltratam o coração destes simpáticos cachaceiros. Mesmo que uma delas seja a babá de Belvis, como na hilária O Meu Querer por Dinalva. Outros destaques são a grudenta Sônia Louca e Litrão de Pinga. Há ainda boas participações, como em Desquite, com Paulão, da banda paulista Velhas Virgens, e Saideira, com Pablues, do Clube de Patifes, de Feira de Santana. Garçom!
Mulheres Que Nos Fazem Beber Demais
Movidos a Álcool
Manguaça
R$ 10 (nos shows)
www.movidosaalcool.com.br


Bom, bonito e gratuito

Surgida no finalzinho dos anos 80 em pleno fervor da mítica Madchester (apelido da cidade inglesa de Manchester), ao lado de nomes como The Stone Roses e Happy Mondays, The Charlatans foi a banda mais subestimada de sua geração - enquanto os Mondays foram os mais superestimados. Tiveram um hit, The Only One I Know, no auge da onda indie dance que tomou conta daquela cidade. Mas, diferente de seus pares, que logo sucumbiram aos próprios egos e excessos, os Charlatães resistiram ao longo dos anos, construindo uma carreira sólida, consistente e que chega à maturidade neste CD, o décimo da banda. Para completar a alegria dos fãs, o álbum não está sendo vendido, e sim, dado de graça para baixar do site da rádio britânica XFM (www.xfm.co.uk), como já o fizeram o Radiohead e Nine Inch Nails. O CD em si? Padrão Charlatans de qualidade, com um sutil toque de eletrônica. Ou seja, é muito bom, sim. Download nele!
You Cross My Path
The Charlatans
Independente
Grátis
www.xfm.co.uk




10 Pãezinhos e muitas emoções

Fábio Moon e Gabriel Bá são irmãos gêmeos que desenham suas próprias revistas em quadrinhos. Fazem isso tão bem, que já publicaram suas histórias em inglês, italiano e espanhol, desenvolvendo uma bela carreira no mercado internacional. Bá está agora desenhando a revista Umbrella Academy, escrita pelo pop star Gerard Way, da banda My Chemical Romance. Moon, por sua vez, desenha a revista Casanova, para a editora Image Comics. O álbum 10 Pãezinhos - Fanzine mostra como tudo começou, no fanzine xerocado que eles faziam em 1997. Reúne histórias tocantes e desenhos bacanas. Esses caras vão longe.
10 Pãezinhos: Fanzine
Fábio Moon / Gabriel Bá
Devir
216 p. | R$ 33
www.devir.com.br

segunda-feira, março 24, 2008

QUASE FAMOSOS

DVDs com shows de Wolfmother e Scissor Sisters trazem som e clima setentistas, mas foram gravados no ano passado

No finalzinho dos anos 80, dois discos de artistas estreantes chamaram a atenção pelo seu estilo totalmente anos 70: Let Love Rule, de Lenny Kravitz (1989), e Shake Your Moneymaker (1990), da banda Black Crowes. Passados quase vinte anos, a década da calça boca de sino continua sendo uma grande referência para as novas bandas, como a americana Scissor Sisters e a australiana Wolfmother, que acabam de lançar DVDs com shows ao vivo.

As semelhanças entre as duas bandas, contudo, param por aí, na ambientação setentista do som e do visual dos integrantes. Enquanto os meninos do Wolfmother bebem a água pesada fornecida por fontes como Led Zeppelin, Black Sabbath e Grand Funk Railroad, os rapazes e a moça da Scissor Sisters mergulham graciosamente na piscina festiva de nomes como Elton John, Bee Gees e Village People.

SENSAÇÃO GAY - Surgida no final de 2003, a S.S. já chegou no cenário causando, com sua versão de Confortably Numb, do Pink Floyd, inteligentemente transformada numa levada à la Saturday Night Fever, dos Bee Gees. Abertamente gay, logo ganhou a simpatia da comunidade - por conta do seu seu altíssimo astral e roupas coloridas, ao gosto dos fashionistas - bem como as pistas de dança dos clubes mais fervidos do planeta.

Lançaram seu segundo CD, Ta-dah, em 2006, aumentando ainda mais a base de fãs e a fama. O hit I Don‘t Feel Like Dancin‘ - que apesar do título, é irresistivelmente dançante - arrastou multidões para a turnê mundial que se seguiu.

Turnê esta revista no recém-lançado DVD Hurrah: A Year of Ta-dah, que apresenta um show simplesmente eletrizante diante de 20 mil pessoas na O2 Arena, de Londres. Afiadíssima, a banda conta com dois vocalistas carismáticos e muito bons de palco: o fresquíssimo Jake Shears e Ana Matronic, uma sensual musa de perfil renascentista (leia-se cheinha, mesmo).

Além de terem boas vozes e cantarem bem, esbanjam energia, dançando com espontaneidade (sem coreografias idiotas) e correndo de um lado para o outro do palco em forma de pernas de tesoura - o símbolo da banda-, brincando com o público a todo momento.

Shears chega mesmo a fazer apoio no palco, e na última música arranca as roupas, revelando um macaquinho ínfimo, quase transparente - para delírio das moças e rapazes da platéia.

Para além da mise en scene no palco, o sólido repertório da banda - que em última análise, é o que realmente importa - demonstra que o Scissor Sisters é hoje uma das melhores atrações pop rock do circuito do show business internacional, com um perfil bastante profissional.

Os hits I Don‘t Feel Like Dancin‘, She‘s My Man, Kiss You Off e Land of a thousand words já valeriam o ingresso, mas há mais. O pop perfeito de Take Your Mama é desde já uma das músicas mais legais da década. Sobra até mesmo um estilhaço stoneano em Music is the Victim. Showzaço.

WOLFMOTHER SE GARANTE AO VIVO

Formada por garotos dos subúrbios de Sidney (Austrália), o power trio Wolfmother tem apenas um único álbum lançado - auto-intitulado, de 2006 - mas foi o bastante para estourarem mundialmente e caírem nas graças da hypeira imprensa inglesa, louca por uma novidade.

O engraçado é que, de novo mesmo, o som deles não tem nada. No máximo, só o frescor de juventude que transborda dos riffs do guitarrista e vocalista Andrew Stockdale, totalmente calcados nas levadas clássicas de bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath e Grand Funk Railroad, para citar apenas algumas influências bem óbvias.

(O resgate do rock pesado dos anos 70 parece ser uma tendência bem forte para os lados da Oceania, que de alguns anos para cá, revelou bandas como Jet e The Datsuns. Esta última, da Nova Zelândia, está inclusive escalada para o próximo festival Abril Pro Rock, em Recife.)

Descontada a falta de originalidade - sintoma encontrado em 95% do rock produzido nesta década, portanto, não adianta crucificá-los por isso - o que sobra na apresentação ao vivo do DVD Please Experience é um puta show de hard rock tradicional, ligado no 220.

Entrosadíssimo, o trio abre os trabalhos como no CD: com o riff repetitivo do hit Dimension e a platéia conterrânea (o show é em Sidney), formada por uma garotada muito jovem, que pula loucamente até o fim da apresentação.

Uma coisa tem que ser dita do Wolfmother: eles se garantem sozinhos. Sem músicos de apoio ou artifícios visuais, o trio chama a platéia na chincha e a responsabilidade de entretê-la para si.

A única exceção é em Witchcraft, que conta com o flautista convidado Gustav Ejstes. Pedrada após pedrada, os rapazes passam seu recado direitinho, com elegância e muita energia.

Please Experience
Wolfmother
Arsenal / Universal
R$ 42,90
www.wolfmother.com

Hurrah: A Year of Ta-dah
Scissor Sisters
Universal
R$ 46,90
www.scissorsisters.com

sexta-feira, março 21, 2008

PLANETA MOORE

Onda de lançamentos nas livrarias celebram Alan Moore, o maior gênio vivo dos quadrinhos

Falar sobre o escritor inglês Alan Moore é tarefa espinhosa, pois fatalmente, há de se cair no lugar comum e chamá-lo de gênio. Melhor deixar a chuva cair no molhado de uma vez e partir para a onda de lançamentos do mago de Northampton que está chegando às livrarias e bancas de todo o País: Lost Girls, Supremo, Tom Strong e Promethea.

Moore, que já havia revolucionado as HQs desde a década de 80 com as obras Monstro do Pântano, V de Vingança e, principalmente, Watchmen - cuja adaptação para o cinema estréia em março de 2009 - saiu da editora DC Comics no fim daquela década batendo a porta, por considerar, com razão, que V e Watchmen eram sua propriedade intelectual, o que lhe foi negado pela DC.

Após uma experiência independente fracassada com o desenhista americano Bill Sienkiewicz na série Big Numbers, que só teve dois números lançados, Moore partiu para a então iniciante editora Image Comics, onde assumiu as séries Supremo e Wildcats.

Em paralelo, deu continuidade ao projeto Lost Girls em parceria com sua atual esposa, a artista plástica Melinda Gebbie. Já no final dos anos 90, lançou um selo próprio, o ABC (America‘s Best Comics), através do estúdio americano Wildstorm (ironicamente, uma subsidiária da DC), por onde lançou os títulos Promethea, Tom Strong, Tomorrow Stories (Contos do Amanhã), Top 10 e A Liga dos Cavalheiros Extraordinários.

Boa parte desse material foi lançado no Brasil desde o início desta década, mas ainda tem muita coisa boa sendo lançada agora e ainda por lançar no futuro. No momento, duas editoras brasileiras concentram os lançamentos com a griffe Alan Moore na capa: Devir e Pixel Media. A primeira pegou a série erótica em três volumes Lost Girls e Supremo.

Já a Pixel, que adquiriu no ano passado os direitos sobre os selos Vertigo e ABC, está dando continuidade à Tom Strong (que já teve 2 volumes pela Devir) e iniciou Promethea na revista mensal Pixel Media Magazine.

Lost Girls, que mereceu extensa resenha aqui, quando do lançamento do Volume 1, Meninas crescidas, tem seus dois últimos volumes já nas livrarias: As terras do nunca (Vol. 2) e Grande e terrível (Vol. 3).

Trata-se de uma obra monumental, onde Moore e Gebbie traçam um despudorado e completíssimo painel da sexualidade humana através das aventuras sexuais de três personagens clássicas da literatura infantil, já adultas: Alice (de Alice no País das Maravilhas), Dorothy (de O mágico de Oz) e Wendy (de Peter Pan).

MESMO OBRAS MENORES SÃO PRIMOROSAS

Tom Strong e Supremo podem até ser consideradas obras menores dentro da extensa produção do autor inglês. Mesmo assim, levam, na imaginação delirante e sem limites, a marca do gênio.

Tom Strong é uma homenagem aos heróis dos velhos pulps, como Doc Savage e Tarzan, onde o herói científico do título vive aventuras na selva, no espaço, passado, presente e futuro, sempre salvando o mundo.

Já Supremo é um genérico do Superman, “criado“ pelo dublê de desenhista Rob Liefeld. Moore assumiu o título no número 40, e, como sempre, virou o mundo do personagem de cabeça para baixo. Basta dizer que, em Supremo, Moore fez tudo o que gostaria de fazer com o Superman, se a DC deixasse.

Promethea, por outro lado, é séria candidata à ser considerada mais um clássico do autor, ao lado de Watchmen, Do Inferno e V de Vingança. A personagem-título é uma história viva, uma entidade esotérica que se manifesta de tempos em tempos em certas mulheres, levando-as a viverem lisérgicas aventuras em outras dimensões, no lindo traço do artista J.H. Williams III.

quarta-feira, março 19, 2008

UM MOMENTO, MERITÍSSIMO!

Com dois ex-Maria Bacana na formação, a banda Os Culpados faz sua estréia pública - e a defesa de suas canções - em grande estilo amanhã, no Teatro do Sesi

Hora de recuperar o tempo perdido. Na segunda metade da década de 90, a banda baiana Maria Bacana foi considerada uma das maiores promessas do rock nacional, descolando um contrato com o - então badalado - selo Rock It!, do ex-Legião Urbana Dado Villa-Lobos.

Pouco depois de lançado seu único CD (em 1997), o baixista saiu da banda e as coisas começaram a degringolar, vindo por fim, a culminar na implosão do trio. Os anos passaram e a Maria Bacana retornou dois anos atrás, mas, desta vez por questões de saúde, o mesmo baixista teve de deixar o grupo pela segunda vez.

Para não ficarem parados, o guitarrista e vocalista André Mendes e o baterista Macello Medeiros se juntaram a Kako Araújo (baixo) e Ricardo Penna (violão e voz) para montarem uma nova banda, no caso, Os Culpados, agora no estilo folk rock, com fortes influências dos Beatles e Neil Young.

Gravaram três músicas, disponibilizaram no site da banda (www.osculpados.com.br) e fizeram pocket-shows na Feira Hype (ICBA).

Mas a estréia pra valer mesmo é amanhã, no Teatro do Sesi. "É uma banda de amigos, mesmo", define André. A idéia agora é gravar mais três ou quatro músicas e lançar um EP no segundo semestre. Boa sorte.

Os Culpados - Show de estréia da banda
Amanhã, 20 de março, 21h
Teatro do Sesi
Rua Borges dos Reis, 9, Rio Vermelho (3335-1529/3535-3020)
R$ 10 e R$ 5
Ouça Os Culpados: www.osculpados.com.br

terça-feira, março 18, 2008

A ERA DOS FESTIVAIS

Abril Pro Rock anuncia excelente grade e abre temporada de festivais indie no País

Findo o verão, está aberta a temporada dos festivais de música de verdade, aquela que conta. Com o anúncio da ótima grade de atrações do Abril Pro Rock, pioneiro festival pernambucano que chega à sua 16ª edição - ininterrupta - nos dias 11, 12 e 27, começa a exposição dos novos talentos do pop rock nacional, aqueles que, possivelmente, trarão alguma renovação a um cenário claramente esgotado.

A classe média consumidora de abadás ignora solenemente, mas hoje o Brasil conta com um circuito de festivais de música alternativa de norte a sul do País que agita milhares e milhares de jovens e adultos inquietos, ávidos por novidades.

Estes festivais, inclusive, são hoje aglutinados em uma associação que promove e incentiva as iniciativas locais e o intercâmbio entre elas, a ABRAFIN, Associação Brasileira dos Festivais Independentes (www.abrafin.com.br).

Hoje, há desde o Festival Calango em Cuiabá (MT) e o Varadouro em Rio Branco (AC), ao Demosul em Londrina (PR) e o Goiânia Noise, passando pelo redivivo Boombahia, que aconteceu em dezembro último e volta em julho, e é o representante local da Abrafin.
Voltando ao Abril Pro Rock, que é talvez o festival que possibilitou toda esta agitação ao surgir lá atrás em 1992, este ano, Paulo André, o organizador do APR, realmente caprichou.

Nada menos que cinco bandas internacionais de renome deverão atrair um público carente desse tipo de atrações de todo o Norte/Nordeste: New York Dolls (EUA), Bad Brains (EUA), The Datsuns (Nova Zelândia), Helloween e Gamma Ray (ambas da Alemanha). Mas as bandas brazucas também não ficam atrás, oferecendo um panorama do melhor do rock atual, incluindo uma mini-invasão gaúcha no segundo dia, com os gigantes dos pampas Wander Wildner e Júpiter Maçã, mais as novatas Superguidis e Pata de Elefante.

Autoramas (RJ), Vionlins (GO), Rockassetes (SE), Mukeka di Rato (ES), Barbiekill (RN), Zumbis do Espaço (SP) e The Sinks (RN), mais as anfitriãs Vamoz!, Sweet Fanny Adams, Project 666, Erro de Transmissão e Vitor Araújo se juntam a nomes populares como Lobão e Céu, fechando a grade.

"No último Carnaval e durante o verão, o público daqui viu todos os maiores nomes da música local e nacional, em grandes shows gratuitos: de Skank e Nação Zumbi a Milton Nascimento e Alceu Valença, veio todo mundo. Seria extremamente frustrante para um guri pegar a programação do festival e ver os mesmos nomes que ele viu no verão, de graça. Daí nossa aposta nas bandas gringas e em outros nomes inéditos no Recife", explica Paulo André, dando aula de como é que se produz um festival.

Porém, mais do que antenas ligadas para captar o que há de novo e interessante no cenário independente, Paulo André e sua equipe têm mesmo é muita fibra para seguir com o modelo que fez a fama e o respeito do festival. "Posso te dizer que 70% das atrações não têm apelo no grande público. A gente rema contra a maré, tudo e todos para organizar o APR. Aqui no Recife, os únicos veículos de comunicação que dão espaço à música alternativa são os cadernos de cultura dos jornais. O mercado pernambucano é ridículo", revela.

"Aqui não há sequer uma casa de médio porte como a Boomerangue aí de Salvador para as bandas tocarem, só gambiarra. Também não há uma balada como a Nave (festa mensal especializada em rock, organizada pelo jornalista Luciano Matos e o DJ Janocide). Nenhuma rádio toca sequer Nação Zumbi, Mundo Livre S.A. ou Siba. Recife é deprimente nesse aspecto", entrega, mostrando que, seja em Recife ou Salvador, a vida está difícil para quem aposta no novo.

Mesmo assim, ele não esmorece, pois sabe que tem o apoio de grandes instituições como Petrobras, além dos governo estadual e da prefeitura, que reconhecem a importância do APR. "O principal papel de festivais como o APR é acelerar o processo de renovação da música brasileira. Se não for a gente, quem vai ser? Faustão? O dono da rádio Jovem Pan"?, pergunta, referindo-se ao empresário Tutinha, que admitiu em entrevista receber jabá.

BOOMBAHIA VOLTA EM JULHO

Produtor de festival local planeja versão ampliada para o meio do ano. Feira Hype passa a ser mensal

Infelizmente, a Bahia ainda não conta com um festival com o impacto, a grade internacional e a importância de um Abril Pro Rock, mas, no que depender dos esforços do produtor cultural e doutor em comunicação Messias Guimarães Bandeira, esse dia ainda há de chegar.

Ex-vocalista da brincando de deus, banda de importância crucial na história do rock baiano por colocar o estado no mapa do indie rock internacional, Messias é o idealizador e organizador do Boombahia, festival que é o representante local da Abrafin.

O Boom surgiu em 1997 e teve mais uma edição em 1998, marcando uma época. Depois, por problemas diversos e falta de apoio, sumiu do calendário.

Retornou apenas no final do ano passado, em uma belíssima festa de dois dias aberta ao público no Pelourinho, quando reuniu cerca de 5 mil pessoas para assistir aos shows de Wander Wildner, Montage (CE), Snooze (SE), os astros locais Cascadura, Retrofoguetes, Rebeca Matta, Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta e ainda revelar bandas promissoras, como Berlinda, Pessoas Invisíveis, Subaquático e outras.

Para alegria dos rockers locais, a próxima edição do Boombahia já tem data e local: 12 e 13 de julho, na mesma Praça Teresa Batista, com possibilidade de abrir um segundo palco em outra praça do Pelourinho.

"Estamos negociando a ampliação do festival para uma segunda praça. O primeiro palco seria dedicado ao rock, electro e música eletrônica, e o segundo, ao hip hop, black music e reggae. Mas não queremos isolar esses públicos, e sim, integrá-los, então haveria momentos em que os palcos cruzariam suas atrações", delineia Messias.

A integração não fica só entre os palcos, abrangendo ainda outros dois festivais da Abrafin - ainda não definidos - que acontecem no mesmo fim de semana em julho e deverão realizar um intercâmbio de atrações com o Boombahia.

As bandas e músicos que desejam participar da próxima edição do Boombahia devem ficar ligados para as inscrições, que poderão ser feitas no próprio site do festival, www.boombahia.com.br, a partir do fim deste mês.

Enquanto vai desenhando o próximo festival do Pelourinho, Messias segue organizando ao lado da produtora Jandyra Fernandes outros dois projetos: a Feira Hype e o recém-nascido Remix-se.

O primeiro, já conhecido, era a feirinha hippie que acontecia todos os sábados no pátio do Instituto Cultural Brasil-Alemanha (ICBA) e reunia bandas, artistas, DJs, VJs e expositores. Com uma certa mudança de política do ICBA, a Feira Hype acontece agora mensalmente na já citada Praça Teresa Batista (Pelourinho).

A próxima edição da FH acontece no próximo dia 29, tendo a banda Os Culpados, de ex-membros da Maria Bacana, como uma das atrações confirmadas.

Já o evento semanal do pátio do ICBA ganhou agora um novo nome e proposta. Rebatizado de Remix-se, o encontro de todos os sábados contará sempre com uma extensa agenda cultural, tendo além das bandas independentes e DJs, recitais de poesia, lançamentos de livros, vídeos e tudo o que agita a cultura local.

sexta-feira, março 14, 2008

MICRO-RESENHAS MALEMOLENTES

Sofisticação samba soul

Mestre esquecido das fusões de samba, rock, soul, reggae e MPB (via samba-canção), Marku Ribas ganha nesta coletânea selecionada por Ed Motta uma belíssima homenagem. Com material gravado entre 1972 e 83, este CD contém alguns clássicos cult dignos das pistas de dança mais descoladas, como Zi Zambi, Curumim, Zamba Ben (homenagem ao revolucionário argelino Ben Bella), Ô Mulher e Meu Samba Regué, de 1976, provavelmente a primeira vez em que se misturou samba com reggae. Ouvindo a bolachinha, não é difícil entender a razão do fascínio de Ed Motta pelo trabalho de Ribas. A sonoridade é extremamente sofisticada, unindo órgãos Hammond, pianos elétricos (executados por João Donato), guitarras elétricas e violões com metais, cuícas e a voz poderosa de Ribas em total harmonia. Algo só ouvido em álbuns de Tim Maia ou do próprio Motta. Um trabalho que desafia a passagem do tempo e merece total reconhecimento.
Zamba Ben
Marku Ribas
Dubas Brasil
R$ 24,90
www.dubas.com.br


Bizarrices inglesas em HQ

Criado pelo gênio dos quadrinhos Alan Moore para a revista do Monstro do Pântano, o ocultista inglês John Constantine logo se tornou um dos personagens favoritos dos fãs, com seu visual de Sting e frases sarcásticas sempre na ponta da língua. Logo ganhou revista própria, Hellblazer, pela qual passaram todos os grandes nomes da HQ adulta atual: Neil Gaiman (Sandman), Grant Morrison (Os Invisíveis), Brian Azzarelo (100 Balas), Warren Ellis (Planetary) e o mais marcante de todos eles: o irlandês Garth Ennis (Preacher, Justiceiro). Sua fase no título foi tão boa que, depois de sua passagem, a revista demorou a se firmar novamente, pois o desnível de qualidade ficou gritante. E mais: seu arco inicial, Hábitos perigosos, acabou sendo a base do roteiro de Constantine, o filme que levou o personagem para o cinema - com a equivocada escolha de Keanu Reeves para o papel principal, infelizmente. Sangue real, o álbum em questão, reúne as últimas seis edições de Hellblazer assinadas por Ennis que ainda não haviam sido publicadas no Brasil. O estilão sanguinário e profano do irlandês está evidente nos dois arcos aqui apresentados. Na história que dá título ao livro, desenhada por Will Simpson, Constantine tem que enfrentar um membro da família real inglesa que, possuído por um demônio, comete diversos assassinatos em série pelas ruas de Londres. Já em Argila mortal, desenhada pelo parceiro de Ennis em Preacher, Steve Dillon, o anti-herói e seu amigo Chas, que ele vive colocando nas maiores roubadas, investigam o sumiço de corpos de um cemitério e acabam descobrindo que eles estão servindo de cobaias numa fábrica de armas de fogo. Ugh.
Sangue Real
Garth Ennis
Pixel Media
160 p. | R$ 34,90
pixelquadrinhos.com.br


Auto-ajuda realmente útil

Uma das maiores pragas da vida moderna se chama “literatura de auto-ajuda“. Essa coisa abominável, que não ajuda ninguém, a não ser os próprios autores a encher o bolso de grana, tem sua resposta neste engraçadíssimo livro com 35 textos assinados por bons nomes da atualidade, como José Roberto Torero, Reinaldo Morais, Xico Sá, Fernando Bonassi, Mário Bortolotto e muitos outros, além da própria organizadora Ivana Arruda Leite. Entre os utilíssimos tópicos, “Como comer maluquinhas maconheiras“, “Como matar cupins“, “Como sorrir no retrato de família“, “Seja um teleoperador de sucesso“ e outros. Um must.
35 segredos para chegar a lugar nenhum
Vários autores
Bertrand Brasil
168 p. | R$ 27
www.record.com.br


Bruxas, magos, poções e humor

Dizem que mago é todo aquele capaz de manipular a realidade segundo sua própria vontade. Na coletânea de contos O círculo dos magos - Mais histórias fascinantes sobre magia e magos, porém, os verdadeiros bruxos são mesmo os extraordinários autores que comparecem nas suas páginas, graças a preciosa seleção do organizador Peter Haining. E que seleção: Charles Dickens, H.G. Wells e Ray Bradbury, gigantes da literatura ocidental, dividem espaço com autores menores mas muito dignos, como Roald Dahl (autor de A Fantástica Fábrica de Chocolate), L. Frank Baum (O Mágico de Oz) e Phillip Pullman (da série Discworld), entre outros. Muito humor à beira do caldeirão, para todas as idades.
O círculo dos magos
Vários autores
Bertrand Brasil
288 p. | R$ 39
www.record.com.br

quarta-feira, março 12, 2008

VERSOS DO SUBTERRÂNEO

Os poetas underground Glauco Mattoso e Rui Mascarenhas trazem política, sátira e filosofia em seus livros

Tudo o que a poesia deveria ser, mas as vezes se perde nos gabinetes empoeirados das academias, está nos livros Poética na política, do paulista Glauco Mattoso, e Meiohomem, do baiano Rui Mascarenhas.

Na forma, são dois livros bem diferentes. Enquanto Mattoso envereda com paixão na exatidão do soneto, Mascarenhas escreve livremente, ignorando regras e amarras estéticas. Em comum, a origem dos dois autores: o underground rock ‘n‘ roll.

Mattoso produz poesia desde os anos 70, quando vendia poemas sujos e escatológicos pelas ruas de São Paulo. Nos anos 80, assinava a coluna A Banana Purgativa na mítica revista Chiclete com Banana, onde dava vazão à sua despudorada podolatria.

Em Poética na política, ele demonstra uma técnica perfeita no limitado espaço do soneto, ao mesmo tempo em que exercita sua revoltada verve satírica contra os sanguessugas da política nacional e os absurdos da vida brasileira. Sua fascinação pelo soneto é tal, que ele inclusive já ultrapassou o recordista italiano Giuseppe Belli (1791-1863), que, segundo consta, teria escrito 2.279 sonetos. Mattoso já escreveu mais de 2.300.

"E não vou parar por aí, não. Sempre fiz poemas satíricos. A sátira está ligada à oposição política sistemática. Aliás, foi um baiano, Gregório de Mattos (1623 - 1696), que inaugurou esse estilo no Brasil", recorda Mattoso.

Em Sacramental, ele dispara contra o QI (Quem Indica), uma prática muito comum Brasil afora: "Cartucho, proteção ou pistolão / é tudo a mesma merda, o mesmo esquema: / testadas aptidões, perícia extrema / não bastam sem o apoio do chefão".

ETERNIDADE - Quem frequentava os shows de rock na Salvador dos anos 90 certamente cruzou com a pessoa esguia de Rui Mascarenhas: ex-produtor do saudoso Garage Rock Festival, que durou quase uma década, Rui também era figura fácil no meio, pois cantava numa das bandas punk mais cultuadas - e infelizmente, pouco ouvidas - daquele período: a Meiohomem.

E é aproveitando o nome da antiga banda, e adicionando o subtítulo Eternidade, meu canto que fica, que Rui lança seu primeiro livro de poemas, reunindo materiais escritos desde há 20 anos atrás, até o ano passado.

Com seu estilo livre e exclamativo, Rui impressiona pela força poética impressa em cada verso, nos quais aborda sua sexualidade, a miséria escancarada nas ruas de Salvador e São Paulo (onde mora há 5 anos) e suas inquietações filosóficas.

"Eu escrevia muito quando era mais jovem, mas aí, numa certa idade, eu parei para dar um rolé pelo mundo, pensando em me dedicar à poesia quando chegasse aos 40 anos. E quando cheguei lá, realmente fui retomando, mas aos poucos, né? Você não se torna poeta num estalar de dedos", considera Rui.

"Nos meus poemas eu me mostro asfixiado pela cultura ocidental, e aí vou acusando essa mesma cultura, procurando encontrar espaço para minha própria individualidade. Eu remexo um caminho, vou em busca de uma nova via e resgato minha própria humanidade e o amor, que na verdade, está em todo mundo", explica.

Entre os 25 poemas do livro, dois se destacam: Cabeça, que também era a letra do hit subterrâneo homônimo da Meiohomem e Diário de um negro ratatáia que não morre. Este último poema é o mais recente do autor, que o define como um "concretamento de palavras, um patê de lajes, uma regurgitação que na verdade, ainda não está concluída. É sobre exclusão social, aqueles que estão à margem".


Poética na política
Glauco Mattoso
Geração Editorial
112 p.| R$ 24
www.glaucomattoso.sites.uol.com.br

Meiohomem
Rui Mascarenhas
Independente
108 p. | R$ 16
http://meiohomem.blogspot.com

sábado, março 08, 2008

BATISMO

Carta a um jovem roqueiro.

Nosso eterno mestre e irmão Cláudio Escória Moreira fez esse textinho para João Pedro, 13 anos hoje, filho de nossa sócia Yara Vasku e Joca (do Rock 'n' Sandwich). O brodinho está em pleno processo de descobrimento do rock 'n' roll. Então segura na mão do Steve (e) Vai, meu filho!


João Pedro,

Sua mãe já é minha irmã desde tempos idos e já gostava de ti por tabela (periódica). Agora, então que está entrando no portal mágico do rock and roll é que fudeu!!!!!!!!! Sinto uma identificação na alma, pois foi nessa mesma idade que "chutei o balde" da caretice e mesmice generalizada em termos de música.

Quero que saiba que esse caminho existencial rumo a esse tal rock and roll não tem volta porque quanto mais se adentra nesse portal mágico visceral, mais perto da sua essência você estará (mas se pode tentar pegar um táxi de volta!!!!).

Foi assim comigo e percebo que o mesmo vai lhe ocorrer porque tu és da mesma linhagem. Agora, nunca deixe que o rock seja uma "camisa-de-força" estilística que limite seu gosto estético. Pelo contrário, mantenha acesa a chama da independência na fruição artística e fique totalmente livre de coletivismos tribais.

Seja sempre diferente entre os "iguais" e inusitado entre os "diferentes". Mantenha seus sentidos abertos para a boa música do mundo. Existem muitas outras coisas boas por aí. Da Tasmânia ao Sertão nordestino.

Na atualidade, esse danado do rock and roll parece algo cafona e datado, mas ele é atemporal. Se mantiver o espírito libertário, o rock and roll vai lhe conduzir ao cosmo sonoro longe de qualquer espécie de colonialismo cultural.

Sim, sou brasileiro com muito orgulho, mas roqueiro na alma. Fodam-se os Estados Unidos! (mas não suas lojas maravilhosas de cds, claro!) Sou terráqueo e foi a eletricidade de Dodô e Osmar que me levou aos 7, 8 e 9 anos de idade a me ligar em algo que só iria entender mais tarde. Isso: Armandinho me levou a Jimi Hendrix. Pegou o caminho das pedras para o Santo Graal?!

Então, meu caro João "Sabbath Bloody Sabbath" Vasku, vista com orgulho essa camisa do Black Sabbath (tive uma igual aos 16 anos!!!!) como um ticket para uma louca viagem rumo ao desconhecido e a encare como um amuleto de proteção contra os maus espíritos da falta de profundidade que imperam no mundo (Uhahaha!!!!!!).

Todo roqueiro que se preze tem vontade de ter uma camisa do Sabbath, independente da idade que tenha (conheço um que beira os 50 anos e ainda adora a banda).

Minha mensagem final é: afivele o cinto de segurança, acelere rumo ao desconhecido, meu camarada rocker, e tenha uma excelente viagem porque você merece!!!!!!!!!!

Cláudio "vendi minha alma ao rock and roll, peguei de volta e coloquei na hipoteca" Moreira (duvido que esse apelido pegue!)
Março/08

quinta-feira, março 06, 2008

COLETÂNEA 1

Como muitos já devem saber, o fundador do nosso movimento rockloquista, Mário Jorge, futuro Comendador da Praia do Buracão, foi convidado para assumir a coluna Coletânea, que era tocada pelo companheiro Luciano Matos, no Caderno Dez!, suplemento jovem do periódico da Av. Tancredo Neves.

Como somos velhos amigos e parceiros de aventuras improváveis não é de hoje, Mário propôs à editora do caderno que eu fizesse a coluna com ele, aproveitando que eu já trabalho lá.

Proposta aceita, começamos na semana passada. Para inaugurar, pensamos numa forma um tanto cretina de marcar a nova fase da coluna, criando uma lista de Dez Discos Essenciais do Rock Baiano.

Olhando para ela agora, percebo que dois discos da Cascadura pode ter sido mesmo exagero. Poderíamos ter incluído a Crac!, Rebeca Matta, Retrofoguetes, outro de Raul Seixas (Gita, Novo Aeon), 14º Andar, Ronei Jorge, Maria Bacana (a banda baiana preferida de Wander Wildner, como ele declarou no Phodcast Rock Loco Em Transe) ou...

Alguém? Alguém? Bueller?

Em tempo: o foco da coluna, pelo menos enquanto continuarmos nela, será rigorosamemente "rock baiano". Mesmo quando não falarmos necessariamente sobre isso na matéria principal, sempre tentaremos fazer um paralelo com o que vivemos aqui.

Por isso, continuem enviando-nos informações, materiais, releases, fotos (isso é muito importante: em alta resolução e com o crédito do fotógrafo), discos, novidades etc.

Segue a tal da coluna com o texto integral, já que no exíguo espaço físico do jornal nunca dá para incluir tudo.

10 ÁLBUNS ESSENCIAIS DO ROCK BAIANO

Raul Seixas - Krigh-há bandolo! (1974)
O disco que escancarou a genialidade de Raul é quase um Greatest Hits: Mosca na Sopa, Metamorfose ambulante, Dentadura postiça, As minas do Rei Salomão, Al Capone, Rockixe e Ouro de tolo. Tem mais, mas já tá bom, né? Só falta agora a gente pensar numa forma de destituir Raulzito dos desocupados que cercam seu túmulo até no aniversário de Silvanice, a babá dele em 1910. Deixa o homem descansar em paz!


Camisa de Vênus - Camisa de Vênus (1983)
Talvez mais importante do que o primeiro disco do Camisa seja o compacto lançado um ano antes, Controle Total/Meu Primo Zé, mas enfim. Esqueçam que a maioria das músicas eram versões de hits do punk inglês '77. Apenas tenham em mente, que, antes do Camisa, não existia contraponto urbano à leseira odara de Caetano, Novos Baianos e A Cor do Som. Sabe lá o que é isso?

Rock Conexão Bahia (1989) www.tramavirtual.com.br, Bazar Musical SSa 1 (1992), Umdabahia (1995)
A pequena produção fonográfica do rock baiano é notória, especialmente nos anos 80, quando a cena pós-Camisa literalmente fervilhou. De forma que é impossível não citá-las tal a sua representatividade. Na verdade, muitas bandas só apareceram em coletâneas. Separamos as três que consideramos mais significativas. Na primeira, nada menos que sete bandas: Cravo Negro; Treblinka; Moisés Ramsés & Os Hebreus; Quíron; 14º Andar; Elite Marginal e Utopia.. No Bazar Musical, a primeira geração dos anos 90 se apresenta: Úteros em Fúria, Meiohomem, Mütter Marie e Kama Sutra. E na terceira, a segunda geração daquela década: Dois Sapos & Meio, Inkoma, Lisergia, Injúria, Dinky-Dau, Penélope Charmosa e Filhos de Creuza.

Treblinka - Indução Hipnótica (1990) bandatreblinka.blogspot.com
A Treblinka, infelizmente, é uma banda muito comentada, mas pouco ouvida. Com uma proposta avançada para sua época, conseguiu pichar sobre um imenso paredão sonoro, tanta loucura e depressão quanto fosse possível a partir da poesia amarga de um vocalista extraordinário: Artur Ribeiro. Uma pérola que precisa ser desenterrada e disponibilizada na internet para deleite de alguns poucos doentes como nosotros.

Úteros em Fúria - Wombs in Rage (1993) clashcityrockers.blogspot.com ou www.bahiarock.com.br (busque I Wanna Feel Alright - A história da Úteros em Fúria)
Esqueçam que Mário Jorge era o baterista. O fato é que a Úteros - apesar da qualidade de áudio pobre advinda da auto-produção dos então inexperientes meninos do grupo - é a banda que pariu a geração 90 do rock local, além de ter unido o público da cidade, então descrente e fragmentado. Só uma pergunta persiste neste momento: por que este disco não está na internet para as novas gerações poderem ouvir?

brincando de deus - better when you love (me) (1994) http://lazerguidedmelodies.blogspot.com/2007_10_01_archive.html
Oxente, man! A Bahia também tem shoegaze, e de primeira qualidade. A banda artíficie do movimento do "rock triste" local demarcou território aqui e lá fora, se tornando uma banda cult respeitada, sendo inclusive lançada no exterior em compacto de vinil -por um selo americano. Excelente registro de uma banda eterna, dona de melodias e riffs inesquecíveis.

The Dead Billies - Don’t Mess With... (1995)
http://blue-9records.blogspot.com

Sinceramente, metade da coluna achou que o segundo disco do Dead Billies, Heartfelt Sessions (mais bem-gravado e com repertório mais bem-resolvido), é o que deveria entrar na lista, mas no par ou ímpar ele perdeu. Don’t Mess sofre do mesmo mal do disco da Úteros: é mal-gravado. Da mesma forma que a Úteros, porém, todo o repertório do primeiro CD dos Billies era cantado de cabo a rabo pelo público enlouquecido. Ou seja: quem viveu, curtiu a milhão.

Cascadura - # 1 (1995) http://www.myspace.com/cascadurarock
A gênese da banda mais importante desta década é este CD de rock básico (mas não simplório), de fácil comunicação e cheio de histórias legais. Daqueles discos que descem macio, da primeira a última faixa. Lindo.

Headhunter - Born, Suffer, Die (1991)
http://www.myspace.com/headhunterdc

Se a brincando de deus era a banda baiana mais respeitada lá fora dentro do seu estilo, a Headhunter DC era a sua contraparte no metal extremo. Blasfema, ensurdecedora, incrivelmente técnica e de uma violência sônica inaudita, a banda é uma lenda viva, um patrimônio cultural bastardo na Terra da Alegria, e que completou vinte anos em 2007. E este disco é tão clássico e procurado pelos camisas pretas que a Cogumelo Records o relançou em 2002 numa edição especial, com material gráfico de primeira e faixas-bônus. Chiquérrimo!


Cascadura - Bogary (2006)
http://www.myspace.com/cascadurarock

"Os talentos aqui estão muito maduros. Não faz mais sentido uma banda como Cascadura continuar underground". Essa frase me foi dita por Carlinhos Brown durante uma entrevista por telefone alguns dias atrás. Como não era importante para a pauta em questão (o show frustrado dos Tribalistas no Museu Du Ritmo), limei-a da matéria. Mas ela nunca me saiu da cabeça. Pô, se até Carlinhos Brown tá ligado, o que falta para Fábio Cascadura e cia. deslancharem? Bogary é, até prova em contrário, o melhor disco do rock baiano nesta década. E por isso ele está aqui. Go, Casca!

Menções honrosas:

Ativar Retrofoguetes! - Retrofoguetes
Maria Bacana
Nancyta & Os Grazzers
Macaca! - Guizzzmo
Diversão do Novo Mundo - 14º Andar
Tantas Coisas - Rebeca Matta
Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta
Cada dia mais limpo e romântico - Los Canos
Um Bom Motivo - Paulinho Oliveira

quarta-feira, março 05, 2008

ROUBADAS NO UNDERGROUND BAIANO

Ricardo Cury, baterista e escritor, lança hoje seu primeiro livro hoje, na Galeria do Livro (Boulevard 161).

Tudo o que alguém poderia querer saber sobre o underground rocker baiano dos anos 90 para cá está em Para colorir, o primeiro livro de crônicas do jovem músico (baterista) e agora escritor Ricardo Cury (em foto de Lubisco, ao lado), que será lançado hoje na Galeria do Livro.

Com passagens por várias bandas da cidade como brincando de deus, Jupiterscope, Dinky-Dau e Zecacurydamm (atual Formidável Família Musical), Cury amealhou experiências malucas o bastante para revelar nas páginas do seu livro as frouxas engrenagens que fazem o rock local rolar: os encontros fortuitos que rendem novas bandas, os shows em botecos vazios, as viagens para tocar em outros estados sem um tostão no bolso.

Poderia ser tedioso, poderia ser trágico, mas, no texto sintético, leve e bem-humorado do rapaz, o que fica mesmo são duas sensações: a ternura que ele sente por todos os perrengues que já viveu ao lado dos amigos e o humor delicado que ele consegue extrair dessas situações.

Típico rebento da geração blogueira de novos escritores, Cury recheia seu texto com uma infinidade de referências da cultura pop, especialmente da música. Para cada canção citada no texto, há uma nota de rodapé correspondente, com a capinha do disco em que ela se encontra, autores, ano de lançamento etc.

Um trabalho dos diabos, mas que enriqueceu muito a bem-cuidada edição do livro, que também conta com as ilustrações criativas do espanhol (residente em Salvador) Ricard Sans.

"O livro é uma compilação de crônicas do blog (ricardocury.blogspot.com), além de oito inéditas. Porém, no blog, os textos foram escritos sem ordem, onde um texto não tem nada a ver, necessariamente, com o texto seguinte. Para o livro, eu coloquei os textos numa ordem que faz com que elas contem uma história, mesmo os textos sendo independentes uns dos outros", explica o autor.

Tudo começa quando ele ganha sua primeira bateria, aos 14 anos, e termina quando sai da sua última banda, a Zecacurydamm. "Depois dessa última banda foi que resolvi escrever o livro", revela.

Apesar de ser permeado pela experiência de ser músico independente e do rock, Para colorir não se resume à um mero compêndio de memórias de shows e viagens. "Em paralelo, tem também textos que falam de coisas adjacentes a esse universo, como a natação - fiz a travessia Mar Grande-Salvador -, futebol, as minhas viagens pela Europa e Chapada Diamantina, conversas com amigos, trabalhos e meus encontros com Caetano Veloso, Chico Buarque e Armandinho. Sempre com a música dando a tônica da coisa toda", conta.

O encontro com Caetano Veloso em um vôo Salvador-Recife, aliás, é um dos textos mais curiosos do livro. Abordado por Cury na cara dura, o bardo de Santo Amaro não se fez de rogado e passou a viagem inteirinha conversando com o rapaz - para espanto de todos os outros passageiros.

"O cara do lado ficava cada vez mais abismado. Às vezes, o silêncio imperava e eu sentia com se o avião todo estivesse esperando minha próxima pergunta. Pressão da porra", escreve, no texto Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu.

Em tempo: o livro também está sendo vendido pessoalmente, com entrega em domicilio, pelo email paracolorir@gmail.com

Para colorir
Lançamento do livro de Ricardo Cury
Hoje, 18 horas
Galeria do Livro | Boulevard 161, R. Anísio Teixeira, loja 17, Itaigara (3353- 0051)
http://ricardocury.blogspot.com
Entrada gratuita
Livro: R$ 27 no lançamento, R$ 30 depois.