quarta-feira, abril 11, 2012

IRVINE WELSH, DE TRAINSPOTTING, ENFOCA PEDOFILIA EM "CRIME"


Se tem uma coisa de que o escritor escocês Irvine Welsh (ao lado, em foto de Rankin) entende é da marginália.

Em Trainspotting (1993, publicado no Brasil pela Rocco), ele criou o clássico de uma geração ao fazer a crônica de um grupo de jovens sem rumo de Glasgow, viciados em heroína.

Levado às telas três anos depois por Danny Boyle, o filme Trainspotting - Sem Limites tornou-se um dos registros definitivos do que foi ser jovem na década de 1990.

Consagrado, Boyle ainda retomou seus personagens na continuação Pornô (2002), mas também voltou sua atenção para outros tipos de marginália em dois livros policiais: Filth (1998, ainda inédito no Brasil, e que está sendo adaptado para o cinema, com os atores James McAvoy e Jamie Bell) e Crime.

Lançado originalmente em 2008, este último saiu por aqui no final de 2011, pela mesma editora Rocco.

Em seus romances, Welsh criou um universo de personagens recorrentes. Filth está coalhado de citações aos personagens de Trainspotting e Pornô.

E Crime, o livro em questão aqui, é protagonizado por um dos personagens principais de Filth: o policial Ray Lennox.

Traumas, pó e um crocodilo

No início de Crime, encontramos Lennox desconfortavelmente instalado em uma poltrona de avião, em um voo de Edimburgo para Miami. Acompanhado da noiva, Trudi, o policial está cruzando o Atlântico em uma viagem de férias compulsórias após um traumatizante caso de sequestro, estupro e assassinato de Britney Hammil, uma menina de dez anos de idade.

O que Lennox nem imagina é que, longe de alcançar algum conforto, esta viagem lhe proporcionará um outro caso escandaloso de pedofilia.

Com a psique estilhaçada pelo fracasso no caso Britney lá em Edimburgo, o atormentado policial – que, ainda por cima, é viciado em cocaína – vai arriscar tudo (férias, casamento, carreira e a própria vida) para se redimir. Com uma prosa tão ágil quanto objetiva, cortante mesmo, Irvine Welsh agarra o leitor pelo colarinho em uma obra de fôlego literário evidente.

A tensão de Ray Lennox, um personagem incrivelmente bem construído, é tão bem descrita que chega a ser palpável.

Ele se debate com a imagem da menina morta que lhe vem a memória a todo instante, com a noiva que só pensa no casamento, com a tentação do pó e, por fim, com o ódio profundo que sente por pedófilos – fruto de um segredo escabroso que ele guarda a sete chaves.

Após uma discussão com Trudi, Lennox acaba no apartamento de uma prostituta com uma filha de dez anos – enfiado na lama do submundo de Miami, ele acaba topando com uma rede de pedofilia que se estende por várias cidades do Sudeste dos Estados Unidos.

Fora de controle em estado de confusão mental ocasianada por uma mistura de trauma e noite em claro cheirando pó, ele praticamente sequestra Tianna, a filha da prostituta, na intenção de protege-la dos pedófilos.

A partir daí, a situação se complica ainda mais com uma sequência de personagens obscuros (incluindo policiais corruptos envolvidos com a rede pedófila) e situações absurdas.

Até o cachorro de estimação de um amigo de Lennox tem um mau dia ao se encontrar com um crocodilo nos pântanos da Flórida, imagem carregada do humor negro típico de Welsh e que traz uma metáfora inusitada.



Quem vence no final?

Quase uma obra de denúncia, Crime é um grito de alerta sobre este crime sexual odioso – e sobre como as vítimas (as sobreviventes) lidam com ele: seguir em frente e reconstruir a alma estilhaçada?

Ou permitir que isso defina sua personalidade, deixando o estuprador vencer no final?

Welsh, longe da Escócia natal, ao sol escaldante da Flórida, arriscou (e acertou) em um livro de tema atual e muito delicado.

Não a toa, encerra agradecendo às vítimas de abuso com quem conversou, bem como as assistentes sociais que entrevistou, durante a pesquisa para escrever o livro.

Crime / Irvine Welsh / Rocco/ 416 p./ R$ 54/ www.rocco.com.br

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