sexta-feira, abril 07, 2017

GRAÇAS AO SERTÃO

Sertanília lança Gratia, seu aguardado segundo álbum, com show no Pelourinho neste sábado. Obra sai pelo Natura Musical

Anderson Cunha, Diogo Florez e Aiace Félix, em foto de Leonardo Monteiro
Dona Vande,  pele negra curtida pelos rigores de uma vida inteira no alto sertão baiano, olha para a câmera com serenidade na capa de Gratia (Natura Musical), o segundo álbum do grupo Sertanília, que tem show de lançamento neste sábado, no Pelourinho.

Rara líder feminina de um reisado em Pajeú do Vento, distrito de Caetité, Dona Vande simboliza e resume o espírito de Gratia: um olhar especial às mulheres do sertão.

“A gente escolheu a mulher como personagem chave para contar a história das músicas”, afirma a cantora Aiace Félix, que com Anderson Cunha (multi-instrumentista) e Diogo Florez (percussões), formam o núcleo do Sertanília.

No álbum, se ouvem em vinhetas a folia de reis de Dona Vande e Dona Leonídia, criadora do Terno de Reis de Contendas, comunidade quilombola de Maniaçu, também em Caetité.

“O reisado é uma tradição essencialmente masculina, com poucas representantes mulheres. Dona Leonídia e Dona Vande, duas mulheres negras de comunidades do alto sertão, trazem muita força ao disco”, acrescenta Aiace.

Manifestação folclórica brasileira de origem europeia que remonta aos celtas que habitaram a península ibérica, o Reisado (ou Terno de Reis ou Folia de Reis) também resume a proposta musical do Sertanília, que busca no Nordeste profundo o que há de mais antigo e legítimo em nossa tradição musical.

“Essa é a linha que move o Sertanília: o encontro do homem ibérico com o negro e o índio no sertão. Aí é onde o som do Sertanília nasce. Esse encontro é a essência primeira do sertão brasileiro, do Brasil profundo. Daí nasce a música mais antiga do Brasil, que é o que pesquisamos em campo. É um sertão muito antigo, de antes do sertão folclórico, alegórico, de Luis Gonzaga”, afirma Anderson Cunha.

“Me criei entre Caetité e Guanambi. Minha vida foi vendo ladainha, procissões, reisado entrando e saindo de casa o tempo todo. Esse é o sertão que me interessa”, conta.

Em suas incursões pelo sertão, Anderson, Aiace e Diogo já se depararam com lugares e pessoas que mais parecem ter saído de uma máquina do tempo.

Sertanília na sua formação estável há quatro anos. Foto Leonardo Monteiro
“Isso se dá por conta do isolamento. Essa região (no Sudoeste baiano)  tem a mesma distância para Brasilia, Belo Horizonte ou Salvador. Esse isolamento está acabando aos poucos, mas ainda é uma região de difícil acesso, então as tradições populares se mantem ainda bem originais, com hábitos e manifestações muito antigas”, diz Anderson.

“Tem terno de reis que canta em latim. Os caras não sabem ler e escrever, mas cantam em latim. Então é um Brasil bem interessante”, admira-se.

Convidados de primeira

Com um som mais robusto e pesado em relação ao primeiro álbum, Ancestral (2012), Gratia reafirma o talento extraordinário do trio, que, nestes últimos anos, amadureceu a própria musicalidade e  conseguiu reunir em torno de si uma formação estável de notáveis músicos de apoio, como Fernanda Monteiro e Ricardo Erick (violoncelos), Raul Pitanga, Mariana Marín (percussões) e João Almy (violão).

“De fato, a gente está mais junto, justamente por termos quatro anos sem muita alteração. O grupo todo está mais integrado”, confirma Aiace.

Convidados de alto nível também dão um brilho a mais à obra, como o violoncelista Jaques Morelenbaum (em Castela e Devagar), a cantora pernambucana Renata Rosa (em O Mundo Dentro da Minha Cabeça, também participa do show de lançamento no sábado) e a cantora espanhola Guadi Galego (em Devagar).

“A Guadi é da Galícia (região espanhola da qual vieram muitos imigrantes ao Brasil), e há muito tempo queríamos fazer algo com ela. O grupo dela, o Berrogüetto, tem um perfil bem semelhante ao do Sertanília, eles pesquisam  as raízes mais profundas da música galega”, conta Anderson.

Universal, mas profundamente ligado às suas raízes, Gratia é a obra que alinha o Sertanília à grupos e artistas como Alceu Valença, Antônio Nóbrega, Cordel do Fogo Encantado, Siba, Cabruera, Zé Ramalho e outros. Um disco para ontem, hoje e amanhã.

Show Gratia, do grupo Sertanília / Convidada: Renata Rosa (PE) / Amanhã, 21 horas / Largo Tereza Batista (Pelourinho) / R$ 20 e R$ 10

Gratia / Sertanília / Produzido por Anderson Cunha / Natura Musical / Preço não informado

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