sábado, junho 10, 2017

O PODER DO HUMOR

Livro: Em Belmonte, Gonçalo Junior resgata vida e obra do cartunista censurado por Getúlio  Vargas e xingado por Josef Goebbels 

Getúlio Vargas. Qualquer semelhança com Michel Temer hoje é mera...
O humor, aquele do bom, que não precisa ser grosseiro ou vulgar, tem uma força que, às vezes, os próprios humoristas desconhecem.

Em 1943, o cartunista Belmonte teve uma prova inconteste disso, como nos conta o jornalista baiano Gonçalo Junior, no livro justamente intitulado Belmonte.

Sub-titulado Vida e Obra de um dos Maiores Cartunistas Brasileiros de Todos os Tempos, o livro resgata do esquecimento quase absoluto um personagem de suma importância na imprensa e no humor gráfico brasileiros: Benedito Carneiro Bastos Barreto, o Belmonte (1897 - 1947).

Entre 1921 e o ano de sua morte, Belmonte foi o mais popular cartunista de sua época, trabalhando nos jornais Folha da Manhã e Folha da Noite, atual Folha de S. Paulo.

Em um tempo sem televisão nem internet, isso era muita coisa.

“É inconcebível que alguém tão importante na história da imprensa nacional – e não apenas do humor gráfico – tenha ficado tanto tempo esquecido, ignorado, não reconhecido. Eu ousaria dizer que Belmonte foi o mais influente cartunista brasileiro na primeira metade do século XX, pois nenhum artista foi tão popular e presente no cotidiano dos leitores quanto ele. E os jornais onde ele trabalhava sabiam valorizar isso. A Folha da Noite e a Folha da Manhã estavam totalmente atrelados no imaginário popular paulistano das décadas de 1920 a 1940 ao nome de Belmonte”, afirma Gonçalo.

“Ele era um cartunista-celebridade. O tempo foi injusto com Belmonte, alimentado pela precariedade da memória construída sobre a imprensa no Brasil”, acrescenta.

Criador do personagem Juca Pato, uma representação do cidadão de classe-média paulistana, Belmonte era um crítico implacável dos políticos e dos poderosos.

Um dos muitos cartuns de Belmonte tendo o Eixo como alvo
Seus cartuns eram tão eloquentes – e incomodavam tanto seus alvos – que, não a toa, foi censurado pelo famigerado DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) na ditadura de Getúlio Vargas (1930-45).

O auge foi ter sido alvo de impropérios cuspidos via rádio a mando de  Josef Goebbels, ministro da propaganda de Adolf Hitler – o episódio de 1943 citado no primeiro parágrafo, fato comemorado pelo próprio Belmonte.

“Ele era culto, inteligente, ousado, desafiador, levava o seu trabalho de usar o humor para criticar às últimas consequências, sem medo de ser preso ou censurado. Ele seguia a linha quase suicida do humor francês que tanto influenciou nosso humor na imprensa no século XIX”, afirma.

O que torna Belmonte definitivamente um clássico é que ele, além de ser muito inteligente, era um artista gráfico de primeira categoria, dono de elegantérrimo traço.

“É deprimente compararmos isso com o que se faz hoje, quando a maioria dos nossos cartunistas é careta, politicamente correta, chata e mais preocupada em ganhar concursos sobre meio ambiente e desenhar pica-pau derrubando árvores. São poucas as exceções. Citaria Angeli, Laerte e Allan Sieber”, dispara.

Para Gonçalo, só houve um outro cartunista que se compara à Belmonte: “O único que se aproximou em coragem, ousadia e disposição para desafiar o poder foi Henfil. Os dois faram os maiores cartunistas brasileiros do século 20”, afirma.

Porta-voz do povo

Sua maior criação foi o personagem Juca Pato, que – tão brasileiro, – tinha por lema “podia ser pior”.

Era ao mesmo tempo, alter ego de Belmonte e porta-voz do povo, sempre impressionado (e impotente) diante dos desmandos do poder. O sucesso do personagem foi imenso.

“Foi uma coisa tão impressionante que era como se Juca Pato realmente existisse”, conta Gonçalo.

Paulistano apaixonado pela sua cidade, deixou importante contribuição historiográfica ao pesquisar sobre os bandeirantes, sertanistas que fundaram São Paulo.

Pesquisa que rendeu o livro No Tempo dos Bandeirantes (1939), elogiado pelo  historiador Luis da Câmara Cascudo (1898 - 1986).

Em Belmonte, Gonçalo Junior sustenta que o cartunista ajudou a moldar a própria identidade da São Paulo moderna.

“Em vários sentidos. Como, por exemplo, ao incutir na cabeça dos governantes a noção de metrópole, de civilidade e civilização”, afirma.

“Não era possível ver tanto progresso enquanto a cidade penava pela falta de água, esgoto e transporte público. Belmonte batia muito nessa tecla, na questão da saúde publica, dos cortiços etc”, conta.
Juca Pato vai às urnas. Arte: Belmonte

E até hoje temos políticos que ainda não entenderam isso, é bom acrescentar.

“Faz muita falta (um cartunista como Belmonte). Vivemos tempos terríveis, de censura, perseguição, opressão, de medo, de retaliação, de desvalorização da vida, do império do crime, da falência da justiça e do poder judiciário. Ninguém respeita mais nada, a corrupção virou uma endemia no país, que é governado por um partido que, para mim, deveria ser tratado como facção criminosa. O humor, felizmente, sobrevive nos memes das redes sociais e são uma ferramenta importantíssima para alimentar a nossa indignação”, afirma.

Workaholic, o jornalista baiano está sempre preparando três ou quatro livros ao mesmo tempo. Este anos, ele ainda lança mais algumas obras.

"Em abril, juntamente com este livro de Belmonte, lancei a biografia do cantor brega Evaldo Braga (Eu não sou lixo), pela Editora Noir. Agora em junho, está saindo a biografia do quadrinista italiano Milo Manara (Subversão pelo prazer), também pela Noir. No segundo semestre, devem ser publicadas as de Vadico (parceiro de Noel Rosa, pela Noir) e do Bandido da Luz Vermelha, espero", conclui Gonçalo Junior.

Belmonte / Gonçalo Junior / Três Estrelas / 160 páginas / R$ 54,90

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