segunda-feira, setembro 11, 2017

O TOTALITARISMO ESTÁ ENTRE NÓS

Com as distopias em alta, chega ao Brasil Nós, livro que influenciou o 1984 de Orwell

Cena de Wir, adaptação alemã de Nós da TV alemã (filme completo abaixo)
Ninguém esperava, mas, em pleno século 21, a distopia totalitária está mais em alta do que nunca.

Seja à extrema direita ou à extrema esquerda, pretensos Big Brothers (o ditador do clássico distópico 1984, de George Orwell) se arvoram a uniformizadores de sociedades impondo padrões, fechando fronteiras, tentando reescrever a história.

Foi justamente o já citado 1984 o grande divulgador do conceito, ao lado do também famoso Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

O que pouca gente sabia é que a ideia da utopia reversa (ou distopia) já havia surgido quase duas décadas antes de Admirável... (que é de 1932), no livro Nós, do escritor russo Ievguêni Zamiátin, publicado em 1924.

Coube à editora Aleph, especializada em ficção científica, findar o ineditismo do livro no Brasil, com tradução direto do russo por Gabriela Soares, belíssima edição em capa dura e dois extras preciosos: uma resenha escrita pelo próprio George Orwell em 1946 (dois anos antes de publicar 1984) e uma carta do autor à Stálin, solicitando sua permissão para deixar a União Soviética, justamente por conta da perseguição que sofria graças ao conteúdo subversivo de Nós.

As revoluções são infinitas

Zamiátin. Boris Kustodiev / Wikicommons
Curiosamente, a trama não difere muito da de 1984.

Em uma sociedade completamente uniformizada e vigiada, um homem comum começa a despertar sua individualidade ao começar a se relacionar com uma mulher de sexualidade aflorada e com conexões em um certo submundo.

O texto é narrado em primeira pessoa por este homem, D-503, um engenheiro empregado na construção da primeira espaçonave do Estado Único, governado com mão de ferro pelo Benfeitor.

No Estado Único, ninguém tem nome: todas as pessoas são “números” ou “unifs”, graças ao uniforme azul usado por todos. Não há eu no Estado Único, apenas nós (daí o título).

Há horários (a “tábua das horas”) e regras para tudo: para trabalhar, comer, fazer sexo (que é regulado nos talões de um carnê cor de rosa).

As casas são de vidro, para que todos enxerguem o que todos fazem. O lazer se resume a marchar em grupo de um lado para o outro, em perfeita sincronia.

Neste pesadelo de vida, acompanhamos os pensamentos do engenheiro D-503 em suas anotações, as quais começam com ele muito certo e muito tranquilo quanto à excelência do regime.

À medida que a trama avança, testemunhamos sua escrita ficar cada vez mais nervosa, chegando mesmo ao desespero.

Enquanto literatura mesmo, no duro, Nós não supera seus principais sucessores, 1984 e Admirável Mundo Novo.

Parece faltar-lhe a finesse britânica de Orwell e Huxley no texto, além de uma certa clareza. Do meio para o fim, alguns eventos começam a ocorrer de forma meio atabalhoada, atropelando-se e às vezes até confundindo o leitor.

Isso, porém, não chega a invalidar a experiência de sua leitura e a força de suas ideias.

Há trechos sublimes sobre conceitos de revolução e liberdade aqui e ali. Numa discussão com I-330 (a fêmea subversiva), D-503 afirma ser absurdo ela propor revolução, porque “a nossa revolução foi a última. Não pode haver outras revoluções”.

I-330 apela para o lado matemático e pede que ele lhe fale sobre “o último número”. “Os números são infinitos, que último número é esse que você quer?”, responde D-503.

“E que última revolução é essa que você quer? Não há última. As revoluções são infinitas”.

Nós / Ievguêni Zamiátin / Aleph / Tradução do original russo: Gabriela Soares / 344 páginas / R$ 59,90

Bônus: em 1982, o diretor tcheco Vojtec Jasny (do clássico Um Dia, Um Gato) adaptou Nós para a TV alemã. Wir, o filme completo, está no You Tube (veja abaixo). Legendas em inglês (ative-as clicando na tecla CC).

5 comentários:

Adelvan disse...

Na verdade não era inédito, saiu há uns 10 anos atrás pela Editora Alfa-ômega numa edição muito vagabunda. Muitos acusam Orwell de ter plagiado Nós em 1984 - a estrutura do enredo é muito parecida, e o livro de Zamiátin tem até um Big Brother, no caso, o Benfeitor. Não tira o mérito de Orwell e algumas ideias geniais e aparentemente originais dele, como o duplipensar e a novalingua, mas que é parecido pra cacete, é. Essa editora Aleph é sensacional ...

Rodrigo Sputter disse...

deve ser a 1a tradução direta do russo, pq tenho uma edição que li em 2001 mais ou menos...e parece-me que é dos anos 80, talvez 90, mas depois dou uma olhada...mas creio que o meu livro fo traduzido do inglês...pq tá como WE...quem acusa orwell é leviano...pelo menos na edição que tenho, diz que Orwell nunca negou a influência e cita-o como influência pra 1984...já o Huxley, dizem que fez-se de desentendido e nunca falou da influência do autor...achei bem legal quando li...tenho guardado...depois dou uma procurada...e vejo quado foi lançada essa edição q eu tenho...

pelo que vi agora, talvez Adelvan tenha lido uma 2a edição, a capa da minha é essa:

http://site.alfaomega.com.br/sites/default/files/nos-00001.jpg

da editora que ele falou...aqui tem mais detalhes, mas deu preguiça de ler agora:

http://site.alfaomega.com.br/livros/romance/nos

essa edição parece q tá caprichada...até parece os livros que a tag vem lançando...

Franchico disse...

Grato pelas observações e correção, prezados.

rodrigo sputter disse...

correção jamais!!!!!
vc é um mestre!!
observações, trocas de idéias. conhecimentos!
te amamos!!

Franchico disse...

Sputter, você hoje está... iluminado!

Resplandecente!

Radiante!

Magnificente!

...Stepan Nercessian!